sábado, 28 de junho de 2008


Um dia ele acordou e ao tomar o desjejum olhou para a pãozinho francês murcho do dia anterior e para a xícara de café instantâneo e pensou que preferia muito mais café passado. Untou o pão com muita margarina e antes de levá-lo à boca mergulhou-o no café produzindo coloridas manchas de gordura no líquido escuro. Ao se vestir colocou um blusão azul marinho e uma calça esportiva preta e sobre os cabelos despenteados um gorro vermelho. Estava frio. Olhou-se no espelho e percebeu que não gostava daquelas roupas mas não as trocou. Faltava ainda meia-hora para sair. Estava adiantado aquela manhã. Ligou a televisão e olhou um pouco do noticiário matinal. Sempre que estava adiantado sentava e olhava o noticiário matinal. Mas daquela vez fez algo diferente: trocou de canal. Desenhos animados. Lembrou-se da infância quando ficava as manhãs todas deitado no sofá da sala embaixo das cobertas olhando desenhos animados e tomando leite achocolatado enquanto a mãe arrumava a casa e preparava o almoço. E ele quase pôde sentir o cheiro do feijão cozinhando e o apito da chaleira e o lento avanço dos raios de sol sob o assoalho. E pensou no quanto gostava daqueles dias. E percebeu que os queria de volta e que não gostava dos dias de hoje. Pegou o ônibus para o serviço. Trabalhou a manhã toda. Ao meio-dia foi almoçar no restaurante próximo ao escritório. O local era pequeno com não mais que oito mesinhas de ferro e uma decoração simples. Apenas algumas molduras coloridas sobre a parede branca e algumas samambaias penduradas no teto. Serviam prato feito: arroz feijão carne batata-doce e salada de tomate. O sol entrava tímido pelas janelas. Gostava daquele lugar: era simpático. Pensou que era o seu primeiro bom momento do dia. O que mais ele gostava em sua vida? Pensou bastante. Olhou para as mãos e percebeu que gostava das suas unhas. Tinha realmente unhas bonitas bem definidas e limpas. Mas imaginou que gostar das próprias unhas não é suficiente para um homem se satisfazer. Do que mais ele gostava? Demorou alguns minutos pensando. Estava na hora de retornar ao escritório. Trabalhou a tarde toda.

Um comentário:

Unknown disse...

Uma boa descrição do caráter cotidiano coloquial!Boa melão!