sexta-feira, 1 de agosto de 2008

A última despedida é sempre a mais dolorosa. Têm cheiro de sonhos estragados e esperanças desfeitas, além de uma sensação de que somos um pedaço de espelho que derrete lentamente. A última despedida é feita de um olhar que carrega todos os olhares, de um olhar que não se traduz, que não ama e não desama, que fica congelado para sempre na memória como algo tangível. E milhares de momentos vividos juntos são lembrados a cada respirar, a cada tremular nervoso das mãos. E então já não sabemos se queremos realmente que tudo termine.
Cecília queria chorar, no entanto estava aparentemente calma. Ele estava em pé ao seu lado e tentava disfarçar o tremor das mão colocando-as nos bolsos. Estavam apenas os dois na parada de ônibus e o monótono rufar da chuva fina nas telhas de proteção era o único som a desafiar aquele silêncio assustador entre eles.
- Que horas são?
- Cinco e meia. A voz falhara um pouco ao responder.
- Acho que daqui a pouco chega o ônibus.
- Espero que sim. Dessa vez a voz saíra com mais vigor.
Às vezes algumas rajadas de vento envergavam o cume das árvores que ao contrastarem com o céu cinzento tornavam-se absurdamente verdes.
- Diz pra sua mãe que eu mandei lembranças.
Ela olhou-o devagar e tentou sorrir:
- Ela vai sentir saudade de fazer tortas de legumes pra você, que era o único que gostava.
Ele tentou sorrir mas teve medo de chorar. Preferiu ficar em silêncio, enquanto chutava algumas pedrinhas com a ponta dos tênis em direção à rua. Todo aquele momento parecia estar envolto numa bolha de espuma, todos os movimentos eram lentos comparados com o turbilhão de lembranças que açoitavam suas memórias.
Afinal um ônibus despontou no fim da rua. Os corações aceleraram. Ele olhou-a e lembrou da tarde ensolarada em que passaram aos pés de elegantes eucaliptos, sentados frente a frente, brincando com os cabelos e desvendando pequenos segredos. Ela lembrou da noite em que havia faltado energia elétrica e ele acendeu pequenas velas e sob à meia-luz conversaram, riram e cantaram algumas canções durante horas. Ele lembrou de muitas coisas. Ela também. Abraçaram-se.
Somente quando o ônibus fez a curva e não foi mais possível visualizá-lo é que ele pôs-se a caminhar de volta para casa. Caminhou com passos muito lentos. A dor iria demorar um pouco para começar, talvez ainda uns quarteirões. Talvez ela fosse aparecer quando ele entrasse no seu quarto e deitasse na cama, envolto pela penumbra desoladora de uma terça-feira e seu entardecer invernal. Sim, seria o melhor momento.
Agora ele queria apenas caminhar o mais devagar possível. Estar em movimento é sempre melhor nas grandes tristezas, pois nos faz crer que iremos chegar a algum lugar. Caminhava lentamente e sem pensar, apenas desfrutando do momento que ainda não terminara, que fora vivido plenamente no curto tempo do último olhar. Sem perdões, sem remorsos, sem dívidas, apenas o desejo de acreditar que poderia dar certo, que tudo iria ficar bem. Do momento doce que ainda resiste ensangüentado ao fim de dois amantes.

Nenhum comentário: