Afim de evitar surpresas Horácio sempre fazia o mesmo percurso ao ir trabalhar. Saía de casa as sete e meia da manhã e descia a Rua do Comércio até o fim da praça Castro Alves , dobrando à esquerda e seguindo adiante pela rua das Acácias. Foi mais ou menos na metade dessa rua, mais precisamente em frente à farmácia Central, que ele a viu pela primeira vez. Ela estava vestindo o uniforme da farmácia e tinha os cabelos presos por uma fita branca. Era inverno e ele passou por ela com as mãos nos bolsos e cabeça enfiada no gorro de lã marrom. Passou quase despercebido, não fosse um olhar de soslaio.
A partir daquele dia ele sempre a viu, todas as manhãs em que ia trabalhar. Seu horário quase britânico fazia com que eles se encontrassem quase sempre no mesmo local. Às vezes ele se adiantava um pouco e cruzava por ela entre as ruas Pixinguinha e Mário Quintana. Mas era comum que a encontrasse enquanto abria as pesadas grades de ferro azul ou enquanto colocava os anúncios de promoção e as propagandas de desodorante na calçada, em frente à drogaria.
Depois de quase duas semanas de olhares furtivos e pequenos sorrisos encravados, ela o cumprimentou com um gesto de cabeça. Era um sábado e ele esperou ansioso até segunda-feira, quando tentou esboçar um cumprimento verbal, um "oi" meio sem jeito, daqueles de criança que se esconde atrás das pernas da mãe.
Durante os três meses seguintes eles se cumprimentaram todos os dias. Já não podiam mais não fazê-lo. Criaram entre si um elo tácito que se renovava todas as manhãs, como se dissessem: "não estamos mais sozinhos, tenha um bom dia". Aquela reciprocidade sincera bastava para que seus dias se tornassem suportáveis. Não eram necessárias mais palavras, apenas o conforto do reconhecer-se em alguém.
Certa manhã, porém, era uma segunda-feira, ele não a viu. Olhou para o relógio afim de verificar se estava atrasado ou adiantado, mas percebeu que estava em seu horário habitual. "Provavelmente ela precisou faltar ao serviço. Talvez esteja gripada pois essas mudanças bruscas de temperatura são um veneno. Eu mesmo estive para cair de cama, se não tivesse me antecipado e tomado um antigripal". Pensou sem se alarmar enquanto organizava sua mesa. Mas sentiu um vazio no dia, como quem esquece a carteira em casa.
Passou-se a semana e ele não a viu um único dia. Concluiu que ela, ou havia tirado uma semana de férias, ou estava realmente enferma. Quase sem perceber ele alterou o itinerário do seu passeio dominical, que incluía uma descida pela rua das Ameixas até a antiga estação ferroviária, e passou em frente à farmácia. Lembrou dela vestindo seu uniforme branco e os cabelos presos, seu sorriso franco e sereno. Não a imaginava de outra maneira. Era assim que ele a conhecia.
Mais uma semana e nada. No domingo procurou-a entre os transeuntes, mas ninguém estava vestindo uniforme ou tinha os cabelos presos com uma fita. Sentiu-se só. Muito mais só que o habitual. Na segunda-feira foi trabalhar e mais uma vez não a encontrou. Cometeu diversos enganos no serviço: rasurou a data em dois certificados, despachou dois memorandos para destinatários errados, carimbou um recibo de ponta para baixo e serviu-se de chá mate ao invés do verde.
Decidiu que no sábado seguinte, à tarde, iria entrar na farmácia e perguntar pela moça de cabelos presos que todas as manhãs abria o estabelecimento com um sorriso delicado. Não teve coragem e disfarçou comprando dois sabonetes de manteiga de cacau.
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